Alguns poemas e contos de Carlos Brunno
Fim do fim do mundo
Quando balas perdidas
Não ferem mais os corações inocentes
Quando favelas maciças
Não caem ao som de entorpecentes
Nem à batida de polícia
Meu amor!
Será que o fim do mundo acabou?
Quando noites mal dormidas
São pagas com a conscientização geral
Que só o sonhador tinha
Quando cores descoloridas
Apagam do céu a cor do mal
E dizem bom dia
Meu amor!
O que o amor significa?
Quando todo aquele rancor de rotina
Se retira e, num último momento de dor,
Você me beija
Meu amor!
O que esse beijo significa?
E quando este sonho acabar...
Como vou acordar
E encarar o mundo
Se o fim do mundo não acabou...
Meu amor!
Quando vamos dormir a dor
E acordar pra vida?
(do livro "Fim do fim do mundo", 1997)
Promessas Desfeitas
Quantas promessas foram feitas
E morreram entre os dentes...
Quantas pessoas saíram pra rua
Atrás de amor
E esqueceram seu cérebro
Em casa...
Quantas lágrimas foram derramadas
E secaram nos olhares alheios...
Quantas pessoas saíram da rua
Por falta de amor
E levaram seu cérebro cansado
Pra casa...
Promessas são comida
Para os dentes
Amor em excesso é parasita
Para o cérebro
Pessoas são hóspedes
Do amor doente.
Lágrimas secas
Promessas desfeitas
O que o coração sente
O cérebro nem sempre consente.
(do livro "Promessas desfeitas", 1997)
Note or not ser
Note
O que ele está pensando
E not!
O que eles dizem
Note
O que eles querem
E not!
O canil não é pra você
Note
O seu sangue latino
E not!
A Disneylândia não é pra você
Note
Or not ser
Note
Or not de vez.
(Do livro "Note or not ser", 2001)
O último adeus
(ou O primeiro pra sempre)
Anoitece...
E a noite é fria, tão fria
Que até esqueço que ainda existe vida
Neste dia morto.
Mas nem por isso vou chorar
Pois lágrimas não trazem ninguém de volta
Mas nem por isso vou gritar
Pois agora não preciso disso
Pra você me ouvir
E palavras são como cartas
Pois nas cartas não cabem as farpas
De amor perdido
Nas cartas não cabem os sentimentos
O verso escondido
Cartas são quase nada
Palavras não trazem ninguém de volta...
É madrugada...
E as verdadeiras estrelas perdem o brilho no céu
Lembrando que a minha única estrela morreu aqui
Na terra...
A noite inteira andei por labirintos
A noite inteira eu andei perdido
E, mesmo assim, sinto que não estou sozinho
Sinto que você está comigo
E, com esta certeza, sobrevivo!
(do livro "O último adeus (ou o primeiro pra sempre)", 2004)
Eu sou da Província
e trago em mim
o seu café forte e esquecido
com seu sabor amargo de bom-humor,
com seu vapor carente,
com sua escuridão barroca,
com seu calor ingenuinamente erótico,
com seus grãos desiguais,
com sua familiaridade poética.
- Eu sou a província que sobrou
quando o café queimou.
(do livro "Eu e Outras Províncias", 2008)
Amor é fogo que arde sem se ver
Cego pela solidão que se arrastava pelos móveis, espalhou álcool sobre a mesa fria, sobre o sofá antiquado, sobre a biblioteca de livros empoeirados, sobre o guarda-roupa de sobretudos guardados para encontros que não se consumaram.
Acendeu o fósforo e, com olhos de criança travessa, observou as chamas consumirem a casa.
Pela primeira vez, o triste homem sentiu calor. Feliz com o sentimento inédito, acendeu um cigarro e deitou-se de olhos fechados no chão incendiado.
(do livro "Diários de Solidão", 2010)
Enquanto a chuva toca sua guitarra insensível
Eu ouço o trovão da morte sobre o corpo caído,
Enquanto a chuva toca sua guitarra insensível.
Eu ouço em cada pingo o som abafado de um grito,
E, contínua, a chuva toca sua guitarra insensível.
São tantos ais, ninguém te lembrou
De que a terra se move...
São tantos ais e alguém te encontrou
Muito além do solo frio...
Eu ouço aquele morro deslizar, ele está vindo,
É assim que a chuva toca sua guitarra insensível.
Novamente, a tevê mostrou vidas partindo,
E, promíscua, a chuva ainda toca sua guitarra insensível.
E ninguém vai me dizer o que não entende
Por que Deus também te levou
E alguém vai morrer em mim sempre
Porque o que chove é dor
Eu ouço todo mal circulando, invencível,
Enquanto a chuva toca sua guitarra insensível.
Eu estou mal
E, assim, minha chuva chora outra guitarra, inaudível.
(do livro "Bebendo Beatles e Silêncios", 2013)
A vida é um saco
(Então foda-se)
"Quero que se foda toda essa porra então"
The Zombiez
Não, não encontro a vida...
Onde ela está? Onde ela está?
No gole da bebida que deixei cair,
na maconha que a sociedade fuma mas não traga,
no sucesso da palavra foda-se?
Foda-se, foda-se, não encontro vida nas palavras
(a palavra vida jaz nos dicionários).
Fracasso, destruição, acompanho os fracassos diários:
A vida é um saco!... Então foda-se, foda-se,
coço meu saco
e a vida passa, a vida passa...
Enquanto eu coço, a vida passa:
dívida -- vida, vida, vida ida a vida ainda passa...
... então foda-se!
(do livro "Foda-se! E outras palavras poéticas...)", 2014)
​
​
​
Temperado com orégano
O sapato debaixo da cama,
o barbeador sobre a pia do banheiro,
como todos os objetos de minha casa
comemoro a inércia dessa farsa
de viver parado, bem colocado
no mesmo lugar.
No ar, o velho big brother me promete novidades!
No bar, a cachaça envelhecida faz juras
de outra embriaguez...
Há um varal de roupas no quintal,
há um asfalto de verdades falsas na rua;
a vida planta a inexistência
temperada com orégano,
a vida é uma pizza absoluta
saboreada nos fins de semana
de frente pra ausência de bem ou mal estar;
A VIDA É O NADA A RESPIRAR!
​
Do livro "O nada temperado com orégano (Receitas poéticas para um país sem poesia e com crise na receita) (2016)